quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Quem vai certificar que soja plantada em Terra Indígena invadida é sustentável?


Fazer gestão de problemas, e não de soluções, torna a dependência das decisões do poder público em justificativa para insistir em irregularidades e para impor condições favoráveis a conflitos e violências condenáveis na justiça e na moral.  O empresário que monta sua equipe com capangas e dá a ordem para atirar em índios já decidiu que seus produtos não podem ser classificados como sustentáveis, muito menos certificados, para serem vendidos para EuropaEstados UnidosÁsia. É o preço a pagar que ele mesmo bota nos métodos arcaicos e tacanhos de gestão do seu negócio, e essa responsabilidade por denegrir o made in Brazil é intransferível.

O caminho para um agronegócio sustentável no Brasil, ou em qualquer lugar do mundo, requer diagnósticos e adequações a critérios objetivos para as materialidades da cadeia produtiva, o que beneficia a economia, o meio ambiente e a sociedade. Como vendemos para o mercado externo, não é desconhecido, especialmente para os grandes produtores rurais, o conjunto de normas internacionais para práticas ambientais, trabalhistas, sociais, de bem estar animal e de gestão. A certificação exigida para exportação tem impactos positivos no mercado interno, então, também não são desconhecidas do setor as conformidades para sustentabilidade já adotadas aqui por bancos e compradores.

A campanha de boicote ao agronegócio de Mato Grosso do Sul, motivada pela violência crescente aos Guarani Kaiowá por parte de produtores rurais em situação irregular em Terras Indígenas, é uma pressão legítima em defesa da vida e de direitos. Resposta da sociedade à omissão do governo federal que permite o que se caracteriza como genocídio, é uma ação de mobilização social propositiva de mudança que colabora também para expansão da agropecuária sustentável no Brasil. Soja plantada em Terra Indígena invadida não é sustentável, carne de boi que pasta em Terra Indígena desmatada não é sustentável. Essa classificação não é inventada, resulta das decisões de gestão que carregam a responsabilidade por métodos socioambientalmente insustentáveis e com riscos econômicos e jurídicos.

Irregularidades em Terras Indígenas e desmatamento ilegal são práticas inadmissíveis sob normas internacionais, que não estão em conformidade com critérios e aspectos legais de sustentabilidade, seja para certificação, financiamentos ou comércio. O empresário do agronegócio que mantém situação irregular em Terra Indígena cria e assume o risco de sujar a reputação da sua produção, arcar com possíveis prejuízos decorrentes, afetar negativamente a imagem do país e comprometer o avanço de um modelo de economia que pressupõe ética e respeito, é uma prerrogativa de gestão.
           
E não tem desavisado nessa história secular de bala contra flecha e árvore. Tanto que no capítulo Gestão do Guia de Práticas para Pecuária Sustentável do Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável [GTPS] é recomendado que o "empresário precisa ficar atento à presença de terras indígenas" e informado que qualquer "irregularidade envolvendo estas terras podem impactar diretamente as operações da propriedade". A pressão sobre bancos e frigoríficos é reconhecida como forma de combater irregularidades, com o alerta de que são evitados negócios com propriedades rurais em que ocorrem problemas ou com problemas associados a elas ou até próximos, tanto em relação a Terras Indígenas quanto ao desmatamento ilegal. Isso quer dizer que um único produtor fora dos conformes é capaz de prejudicar os outros e dar má fama à vizinhança que optou pela gestão sustentável de seus negócios. 

Sustentabilidade no agronegócio brasileiro faz diferença daqui para fora. Por isso, aliás, a aprovação da PEC 215 deveria ser avaliada pelo setor como uma grave ameaça aos negócios internacionais em conformidade com práticas sustentáveis. Com a transferência da soberania do Estado sobre a demarcação de Terras Indígenas do executivo para o legislativo, o Brasil vai ser posicionado como um mercado em que sequer a Constituição é respeitada e no qual se oficializa o desrespeito a direitos para legalizar a produção fora de conformidade, o que é incertificável. A proposta é tão surreal que não mensura o tamanho da insegurança jurídica e o potencial de instigação e aumento de conflitos, ignorando que as consequências podem ser dramáticas [estamos falando de gente e perdas de vidas] e institucionalmente danosas ao nosso país. Quem vai certificar a sustentabilidade de qual produto num lugar desses? 

Só lembrando: Todas as Terras Indígenas deveriam estar demarcadas e homologadas no Brasil desde 1993, conforme a Constituição Federal.  


Para acompanhar a iniciativa de mobilização no facebook { http://bit.ly/CPIdoGenocidio

Para acessar os banneres da campanha com legendas em 3 idomas { http://bit.ly/CampanhaboicoteagronegocioMS

Saiba mais sobre o contexto de violências contra os indígenas em Mato Grosso do Sul:
Artigo Os condenados dessa terra, do Prof. Dr. Neimar Machado de Sousa, publicado no Portal EcoDebate { http://www.ecodebate.com.br/2015/10/13/guarani-e-kaiowa-os-condenados-desta-terra-artigo-de-neimar-machado-de-sousa/
Matéria da Carta capital “Omissão assassina no Mato Grosso do Sul - O governo e a Justiça têm culpa no conflito sangrento entre índios e fazendeiros”, de Rodrigo Martins, publicada em 09/10 { http://www.cartacapital.com.br/revista/870/omissao-assassina-6689.html




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