A campanha de boicote ao agronegócio de Mato Grosso do Sul, motivada
pela violência crescente aos Guarani
Kaiowá por parte de
produtores rurais em situação irregular em Terras Indígenas, é uma pressão
legítima em defesa da vida e de direitos. Resposta da sociedade à omissão do governo
federal que permite o que se caracteriza como genocídio, é também uma ação de mobilização social propositiva de mudança que colabora
para expansão da agropecuária sustentável no Brasil. Soja plantada em Terra Indígena
invadida não é sustentável, carne de boi que pasta em Terra Indígena invadida e desmatada não é sustentável. Essa classificação não é inventada, resulta das
decisões de gestão que carregam a responsabilidade por métodos socioambientalmente
insustentáveis e com riscos econômicos e jurídicos.
Da
Anistia Internacional ao Ibase do Betinho, mais de 90 organizações já apoiam a
iniciativa. Lançada em outubro pelo Conselho Terena e o Aty Guassú do Povo
Guarani Kaiowá, a campanha de boicote ao agronegócio de Mato Grosso do Sul
esclarece como irregularidades em Terras
Indígenas sujam a imagem do Brasil
no mercado internacional, que exige certificação de práticas em conformidade
com aspectos ambientais e sociais, e representam uma ameaça à reputação do
setor em avaliações de risco. Ataques a bala, assassinatos de lideranças, estupros, sumiços de jovens, tortura a crianças e idosos indígenas,
incêndios, saraivadas de tiros para o alto são agravantes que marcam a produção
agropecuária sul-mato-grossense em situação irregular, da qual empresários que
investem na gestão de sustentabilidade no estado deveria se dissociar.
Quem
prefere fazer gestão de problemas, e não de soluções, transforma a
dependência das decisões do poder público em justificativa para insistir em
irregularidades e para impor condições favoráveis a conflitos e violências condenáveis
na justiça e na moral. O empresário que monta sua equipe
com capangas e dá a ordem para atirar em índios já decidiu que
seus produtos não podem ser classificados como sustentáveis, muito menos
certificados, para serem vendidos para Europa, Estados
Unidos, Ásia. É o preço a pagar que ele mesmo bota nos métodos
arcaicos e tacanhos de gestão do seu negócio, e essa responsabilidade por sujar
o made in Brazil é intransferível.
O caminho
para um agronegócio sustentável no Brasil,
ou em qualquer lugar do mundo, requer diagnósticos e adequações a critérios
objetivos para as materialidades
da cadeia produtiva, o que beneficia a economia,
o meio ambiente e a sociedade. Como vendemos para o mercado externo, não é
desconhecido, especialmente para os grandes produtores rurais, o conjunto de normas internacionais para as práticas ambientais,
trabalhistas, sociais, de bem-estar animal e de gestão. A certificação exigida para exportação de
produtos agropecuários brasileiros tem impactos positivos no mercado interno, então, também
não são desconhecidas do setor as conformidades de sustentabilidade já adotadas
por bancos e compradores.
Irregularidades em Terras Indígenas e
desmatamento ilegal são práticas sem
conformidade alguma com critérios e aspectos legais de sustentabilidade,
inadmissíveis sob normas internacionais para certificação, financiamentos ou comércio. O empresário do agronegócio que mantém situação irregular em
Terra Indígena cria e assume o risco de afetar negativamente a imagem da sua produção, do seu estado e
do país, de arcar com possíveis prejuízos decorrentes dessa associação e até de
comprometer o avanço de um modelo de economia que pressupõe ética e respeito, ou seja, é uma
prerrogativa de gestão.
Não tem
desavisado nessa história secular de bala contra flecha e
árvore. Tanto que no capítulo Gestão do Guia
de Práticas para Pecuária Sustentável do
Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável [GTPS] é recomendado que o
"empresário precisa ficar atento à presença de terras indígenas"
e informado que qualquer "irregularidade envolvendo estas terras podem
impactar diretamente as operações da propriedade". A pressão sobre
bancos e frigoríficos é reconhecida como forma de combater irregularidades, com
o alerta de que são evitados negócios com propriedades
rurais em que ocorrem
problemas ou com problemas associados a elas ou até próximos, tanto em relação
a Terras Indígenas quanto ao desmatamento ilegal. Isso quer dizer que um
único produtor fora dos conformes é capaz de prejudicar os outros e dar má fama
à vizinhança que optou pela gestão
sustentável de seus
negócios.
Sustentabilidade no agronegócio brasileiro
faz diferença daqui para fora. Por isso, aliás, a aprovação da PEC215 deveria ser avaliada pelo setor como
uma grave ameaça aos negócios internacionais em
conformidade com práticas sustentáveis. Com a transferência da soberania do
Estado sobre a demarcação de Terras Indígenas do executivo para o legislativo, o Brasil vai ser
posicionado como um mercado em que sequer a Constituição é respeitada e no qual se
oficializa o desrespeito a direitos para legalizar a produção fora de
conformidade, o que é incertificável. A proposta é tão surreal que não mensura o tamanho da insegurança
jurídica e o potencial de
instigação e aumento de conflitos,
ignorando que as consequências podem ser dramáticas [estamos falando de gente e perdas de vidas] e institucionalmente
danosas ao país. Afinal, quem
vai certificar a sustentabilidade de qual produto num lugar desses?
Só lembrando: Todas as Terras
Indígenas deveriam estar demarcadas e homologadas no Brasil desde 1993,
conforme a Constituição Federal.
Já entendeu e quer se engajar?
. Segue o
link para a página da iniciativa de mobilização no facebook
. Acesse os
banneres da campanha com legendas em 3 idiomas em Eco Lógico Sustentabilidade http://bit.ly/CampanhaboicoteagronegocioMS
Quer saber mais sobre o contexto de violências contra os indígenas em
Mato Grosso do Sul?
. Veja o artigo “Os condenados dessa terra”, do Prof. Dr.
Neimar Machado de Sousa, no Portal EcoDebate
. Leia a
matéria da Carta capital “Omissão assassina no Mato Grosso do Sul - O governo e
a Justiça têm culpa no conflito sangrento entre índios e fazendeiros”, de
Rodrigo Martins, publicada em 09/10
Beatriz Carvalho Diniz
Consultora de Comunicação e
Sustentabilidade, expertise em políticas públicas socioambientais, com
especialização em Gestão Ambiental. Criativa de Eco Lógico Sustentabilidade,
conteúdo produzido com amor, sem fins lucrativos, desde 2009.
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